01 julho 2011

Quem Sao Os Corruptos E Como Puni-Los (Breve Manual).




Muito se tem falado sobre a corrupção no país; estudiosos vêm tentando medir as conseqüências desse mal na vida das pessoas, apontando a corrupção como uma das causas da miserável distribuição da renda nacional. De fato, ela é o monstro que devora os recursos públicos, destrói reputações e aniquila as esperanças de tantos, que já não mais acreditam nas instituições e nas autoridades, passando a ver na política apenas o espaço onde se pratica a “arte de roubar”.


O quadro é uma desolação. Do que se vê quase diariamente na imprensa, sobram políticos desonestos, aproveitando-se em todos os lugares, gestores da coisa pública exigindo propina, juízes acusados de proferir sentenças para levar vantagem pessoal, policiais que viraram bandidos e fiscais presos e algemados em flagrante delito – num festival de horrores sem fim, cujo resultado é o rebaixamento na própria auto-estima da população. A impotência é o sentimento que se mistura à perplexidade. A impunidade, por fim, consolida em muitos a sensação de que tudo está perdido. Tem saída?


Enquanto a corrupção prossegue correndo solta e demonstra todo vigor e pujança, assombrando-nos pela extrema ousadia de seus autores e pelo tamanho das fortunas roubadas, proliferam ao mesmo tempo as ouvidorias, os disque-denúncias, os códigos e seminários sobre ética, por toda parte, na vida pública e privada.


Percebe-se que vai aumentando no serviço público o número de ouvidorias e “códigos de ética e conduta”. Com todos esses sinais positivos e contrários à chamada “arte de roubar”, por que então a roubalheira não para? Por que, pelo contrário, a roubalheira hoje é maior do que ontem, e nada nos garante que não será ainda maior amanhã? E por que a impunidade parece prosseguir assegurada a tantos quantos já tenham tido o sucesso de, impunemente, roubar o seu “primeiro milhão” ? Roubar muito parece mais seguro do que roubar pouco, e isso não é de agora. Já nos tempos do império, um popular e irônico versinho dizia, ironizando a proteção de que gozavam os grandes larápios do dinheiro público:


Quem rouba pouco é ladrão/quem rouba muito é barão/quem rouba mais e esconde/passa de barão a visconde


A CORRUPÇÃO REVOGA AS LEIS E CONFUNDE O INTERESSE PÚBLICO

Uma das causas deste caminho livre para a corrupção está na omissão dos governos. Se é pouca a vontade, pouca não é, contudo, a espantosa vocação para fazer de conta que se está combatendo os crimes: sobram discussões, encontros e comissões de ética, mas – como dito pelo povo – entra ano e sai ano, nada muda, senão o dinheiro de dono, indo do Estado para os ladrões da Republica.


Contam-se às dezenas os órgãos criados para combater a corrupção, apresentados à sociedade numa embalagem bonita, porém vazia de conteúdo. É só manifestação estéril de vontade, que não se faz acompanhar da ação concreta. Em resumo, muito blá-blá-blá. Esse faz-de-conta que se combate a corrupção há muito vem servindo como truques de marketing para cacifar empresas ou órgãos públicos, sem jamais atingir resultados concretos. A corrupção agradece.


A banalização do discurso pela ética, sem implementação de medidas concretas anticorrupção, como o fundamental treinamento e preparo de especialistas para combater os crimes com independência, só faz alimentar a descrença nas instituições públicas. Pouquíssimas apurações no país chegam à punição dos responsáveis pelas falcatruas; a maior parte cai no esquecimento geral e no arquivamento. Só no serviço público federal, o número de processos arquivados por “insuficiência de provas” ultrapassa o percentual de 70%. Não é bem “insuficiência de provas, ao contrário: trata-se de insuficiência de investigação.


Estão, pois, aí, à nossa vista, os grandes ladrões da República, impunes, ricos e cada vez mais acintosos – processando jornalistas, processando os próprios investigadores e quem mais ouse enfrentá-los. Quanta gente cheia de bons propósitos já não recuou ao perceber que o  Estado omisso, e os governantes covardes deixavam os investigadores sozinhos, abandonados e sem recursos numa luta desigual contra corruptos poderosos e sua guarda pretoriana. Veja, a esse respeito, o artigo Terror e Perseguiçao na Receita Federal, postado recentemente neste blog.  


O esquecimento é outro poderoso recurso da corrupção: os corruptos  contam com o esquecimento para, logo em seguida, reapresentarem-se como “injustiçados e perseguidos”, “inocentados por falta de provas”. Buscarão em breve tomar de assalto novas oportunidades e até mesmo de novos cargos publicos. São corruptos habituados a reinterpretar e reescrever a sua propria historia história.

A CORRUPÇÃO E O BOM CARÁTER

Não nos deixemos iludir. Assim como a saúde, o bom caráter não é visível à primeira impressão. Percebê-los exige esforço de observação. Todos, especialmente na política, buscam aparentar um bom caráter, embora, no caso brasileiro, não sejam muitas as lideranças que o possuem. Mas o caráter é fundamental para o indivíduo, porque é o indivíduo que faz toda a diferença. A boa formação de caráter – numa palavra, a devoção aos mais sagrados princípios da civilização, como o respeito à vida do próximo, à propriedade alheia, à liberdade de pensamento e de opinião, são os valores básicos formadores do caráter. Quem os possui, possui um tesouro “que o ladrão não leva nem a traça rói ”, para lembrar a advertência do grande nazareno.

Já quem não respeita a propriedade alheia, nem a vida dos outros, por que haverá de respeitar os cofres públicos? O sentimento de pátria, o ordenamento jurídico e mesmo as religiões estão abaixo da ideologia, que deformou o caráter e o modo de pensar dos criminosos políticos, em face do que nem se reconhecem a si mesmos em sua verdadeira condição de agentes do ilícito.

O ORDENAMENTO JURÍDICO NO COMBATE À CORRUPÇÃO

A eficácia da ação contra a corrupção exige o conhecimento dos principios gerais de Direito, sob pena de uma boa investigação enredar-se em vícios que a anulem. A repressão aos atos de desonestidade, aí inclusos os inquéritos, as auditorias e as sindicâncias apuradoras devem observar estritamente os princípios estabelecidos na Constituição Federal. Daí decorrerá a eficácia nos resultados, na garantia de que os processos passarão incólumes no exame do Poder Judiciário. Os princípios básicos, que vale a pena recapitular, são:

1- Legalidade: (CF art. 5º, inc. II) – “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

2- Devido processo legal: (art. 5º, inc. LIII) - Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

3 - Contraditório e da ampla defesa: (art. 5º, inc. LV) Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

4- Direito de obter certidões: (art. 5º, inc. XXXIV) - São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal.

5- Presunção de inocência: (art. 5º, inc. LVII) - Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, que equivale no processo disciplinar até o seu julgamento.

6 - Impessoalidade: não serão distinguidos sexo, raça, cor ou cargo ou função ocupada pelo servidor na instituição (demissão independentemente do cargo exercido)

7 - Vedação do anonimato (art. 5º, inc. IV) – “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. A denúncia anônima é apurada, entretanto, quando existe:

7.1 – Indicação de prova material do ilícito

Quando a denúncia anônima indica ato de corrupção que deixa prova material, requisita-se o processo ou o documento, ou, se for o caso, realiza-se ação legal para buscar essa prova.

7.2 – Descrição do “modus operandi” dos infratores.

 Efetua-se o flagrante, normalmente com auxílio da Polícia Federal. De posse do auto de prisão em flagrante, instaura-se a apuração.

7.3 - Se for conveniente ou necessária a produção de provas para corroborar o flagrante, leva-se o fato ao conhecimento do Ministério Público Federal, que, para instrução da ação penal, poderá obter autorização judicial para interceptação telefônica, prova essa que, autorizada pelo Judiciário é posteriormente, após o flagrante, levada legalmente para o processo .

8 - Inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas – (art. 5º, inc X) – “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

A invasão da intimidade, quer com fotografias ou gravações ambientes, produz provas ilícitas, imprestáveis para o processo.

9 - Inviolabilidade da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, inc. XII)

9.1 - Interceptação telefônica

A interceptação telefônica, somente poderá ser autorizada para fins de instrução penal, razão pela qual no processo administrativo disciplinar será sempre uma prova emprestada.

9.2 - Gravação telefônica

É sempre lícita quando efetuada pelo interlocutor ou por pessoa por ele autorizada – insere-se no direito à legítima defesa. Sobre a licitude desse modo de gravação, já se manifestou o STF em acórdão.

10 - Inadmissibilidade de provas ilícitas (Art. 5º, inc. LVI) - São inadmissíveis no processo judicial ou administrativo, as provas obtidas por meios ilícitos (interceptação telefônica, violação de correspondência, dos sigilos fiscal e bancário, entre outros).

Patrimônio incompatível com a renda

Armadilha da qual os corruptos buscam escapar pelo uso da lavagem de dinheiro. Lava-se o dinheiro obtido de forma desonesta quando se busca uma origem aparentemente verdadeira para ele, de forma que o dinheiro frio resulte no final esquentado. Um funcionário público que tenha milhões de reais escondidos, sem poder declarar ao Fisco ou movimentá-los em seu nome nos bancos, dirá, por exemplo, que o obteve através da venda de quadros artísticos no atelier de sua família (ateliês simulados são bastante utilizados para esquentar dinheiro, dada a subjetividade do valor de uma obra artística).

No caso de o patrimônio estar incompatível com a renda, a lei pressupõe cometimento de ato de improbidade administrativa (Lei nº 8.429, de 1992). Outras eventuais alegações dos acusados tendentes a justificar o patrimônio elevado, sob a forma de lavagem de dinheiro, como as de terem acertado diversas vezes na loteria, no jogo do bicho, recebido heranças, doações, etc, devem ser minuciosa e documentalmente comprovadas nos autos do processo, sob pena de não afastar a presunção legal de improbidade administrativa.

Tal é o ocorrido em certa unidade do serviço público federal onde, após interceptação telefônica autorizada judicialmente para instruir processo penal de um empresário suspeito de constituir empresas fantasmas ou com sócios “laranjas” para lesar o Fisco, detectou-se conversa sobre elevado patrimônio de um servidor. O fato, após confirmado pelo Ministério Público, mediante quebra do sigilo bancário, permitiu a instauração de regular processo administrativo, de que resultou a demissão do servidor, por improbidade administrativa, em face de seu patrimônio incompatível com a sua renda.

CONCLUSÃO

A sociedade está cada vez mais intolerante com a corrupção e a impunidade, pois tais pragas repugnam e revoltam a consciência dos cidadãos.

Uma das causas principais da corrupção dos “grandes” está também na corrupção (impune e disseminada) dos “pequenos”. O político famoso que frauda os fundos de pensão e bancos públicos o faz com base em documentos inidôneos, laudos falsos e mentirosos, invariavelmente alcançados pela via do suborno de servidores públicos anônimos, acantonados em órgãos com competência para fiscalizar, que invariavelmente responderão com um “ninguém” à famosa indagação de Cícero no senado romano: “Quem fiscalizará os fiscais?”

Em todos os casos de punição criminal por prática de atos de desonestidade no serviço público federal há intervenção do Ministério Público, que, munido de sólidas provas contra o acusado, apresenta a denúncia à Justiça. A nobre missão constitucional do MPF pode e deve ser potencializada por eficazes inquéritos administrativos preexistentes à denúncia, pois do contrário resultaria extremamente difícil aos Procuradores da República arregimentar provas para a ação penal, quando o processo administrativo-disciplinar, justamente por falta de pessoal treinado para conduzi-lo, “deu em nada”. Trata-se do arquivamento por “insuficiência de provas”, jargão jurídico que, muita vez, apenas encobre apurações superficiais ou negligentes, bem ao gosto dos que se omitem nos dias de hoje, em favor da corrupção. A revoltante impunidade penal, muita vez, tem sua origem em processos disciplinares malconduzidos, pelas causas já expostas.

O enfrentamento da corrupção, assim, pode transformar-se numa sólida realidade, não obstante a realidade desanimadora. A esperança, contudo, morre por último, e nós estamos vivos.







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