01 junho 2011

A Longa e Tormentosa Estrada da Loucura

"Aquele que luta contra os monstros deve cuidar-se para não se tornar um monstro também". (Nietzsche)








Poucos como o alemão Friedrich Nietzsche fizeram tantos aforismos de grande impacto e escreveram com o mesma força literária. Muitos o consideram o maior escritor da língua alemã, idioma, como se sabe, com uma riqueza tal, que seus falantes vêem no inglês um subconjunto dele.






Nietzsche fez e faz as cabeças. Os nazistas, em primeiro, viram no filólogo e filósofo patrício a base filosófica para todas as atrocidades que viriam a cometer, em particular contra o povo semita. No apelo nietzschiano à humanidade para que se supere a si mesma, em busca do homem superior, já se encontra o germe do monstro nazi. Somos ainda rascunhos do homem que virá. Rascunhos jogam-se fora, o que importa é a obra acabada.






Todo homem imperfeito é rascunho, tentativa da natureza em busca do tipo superior que ela almeja. "O homem é uma corda estendida entre o animal e o que vem além do homem, uma corda sobre o abismo; é o perigo de transpô-lo, o perigo de olhar para trás, o perigo de estar a caminho, de tremer e parar. Grande no homem é ser uma ponte e não um fim; o que pode ser amado no homem é que ele é um passar e um sucumbir".






O filósofo alemão não acreditava na verdade, na contramarcha de Aristóteles e Platão. Racionalismo e lógica, asseverava Nietzsche, era empulhação socrática, e Sócrates era, ele mesmo, um decadente. O homem aspira à arte, à tragédia, e não à lógica. Nações no auge não produzem lógica, produzem teatro e vida estética; na decadência é que vem a lógica, e a Grécia antiga demonstrava-o. Não foi por acaso que o nazismo foi um movimento estético (culto do belo, eugenia, limpeza, monumentalismo). E Nietzsche ia assim escrevendo para a posteridade que o acolheria, assegurando haver no homem uma pulsão incompreendida, para além do racional, e que o anima verdadeiramente - sendo, afinal, o que importa.






A psicanálise e Freud em especial foram arrebatados pelas idéias do filósofo alemão. O inconsciente freudiano resume-se a pulsões dominantes incompreendidas, que fazem da própria linguagem seu instrumento para manifestar-se, notadamente nos atos falhos e nos sonhos (expressão de nosso inconsciente). Não se sonha em vão, deve-se decifrar as expressões oníricas que nos visitam quando caímos no sono, eis aí Freud ensinando na garupa de Nietzsche.






Passado o nazismo, o fantasma do comunismo ainda ronda a América Latina, e hoje não mais combatem Nietzsche como o "reacionário"; ao contrário, precisam mesmo dele para alimentar a cultura do irracionalismo útil à causa macabra. A razão, contudo, opõe-se ao totalitarismo marxista, porque prega a busca da verdade, ao passo que o comunismo mutante diz que a verdade não existe como tal, sendo expressão ideológica das classes dominantes. E se assim é, tudo se dissolve no relativismo e improvisam-se outras "verdades", contanto que se prestem ao fim almejado: a supressão das classes e a construção do estado totalitário, que se dá em meio à efusão de sangue e genocídios já testemunhados pela história. Todas as implicações do nietzschianismo são trágicas.






"Não sou homem, sou dinamite", disse certa feita num surto profético antevendo o uso que as ideologias do mal - o comunismo e o nazismo - fariam de sua obra.






O autor de "Assim falou Zaratustra", cujo subtítulo foi "um livro para todos e para ninguém" considerava-o como "o livro mais profundo da humanidade", ainda hoje - e hoje sobretudo - exerce grande influência nos meios acadêmicos e intelectuais. Naquele estranho século dezenove, o livro teve de ser custeado às suas expensas combalidas de aposentado por invalidez (tinha uma cefaléia crônica, dores lancinantes de cabeça que o tiravam do ar). Morava numa pensão precária. Imprimiu cerca de quarenta exemplares da obra, que vende hoje aos milhões de volumes, em inúmeras traduções pelo mundo."Alguns homens já nascem póstumos", disse.






Nietzsche comprendeu, com sua profunda intuição, o dilema dos homens: ter de escolher entre cristianismo e o culto de Dioniso, o deus grego das matanças e bacanais. Dito de outro modo, entre a civilização e a barbárie. Errou na escolha, e elegeu Dioniso como o deus que festeja a vida, refutando o cristianismo como moral abjeta e decadente, de escravos ressentidos. "Deus está morto", anunciava o Nietzsche-Zaratustra, imitando em gênero literário (com bastante ironia) os próprios versículos bíblicos. Em face de sua integridade filosófica, manteve-se fiel a si mesmo e ao ateísmo apologético, até ser destruído pela própria obra que o conduziria ao labirinto onde foi devorado; um súbito colapso jogou-o nas trevas pavorosas da loucura (essa patologia misteriosa até os nossos dias), assim vegetando durante intermináveis 11 anos, sob os cuidados da mãe compassiva, até sobrevir-lhe a morte, em 1900. Sua intuição profunda não o advertiu do abismo, e a razão finalmente destruída foi a dele própria.


Um comentário:

Ives Levy disse...

Caro Moacir,
entre as estradas estendidas, a mais difícil de todas é aquela que nos conduz a nós mesmos.
Entender a dificuldade da auto aceitação é o primeiro passo que por tal devemos nos sentir motivados.
Eu fiz análise Freudiana dos 17 aos 32 anos e fui adquirindo a noção de como proceder à lapidação do meu caráter anos mais tarde.
É uma luta que não aceita descanso.
À medida que nos conhecemos, começamos a conhecer o mundo que nos cerca, as paredes que nos cercam perdem a razão de existir.
Somos uma parte do todo e como tal devemos tratar e sermos tratados.
A passagem Talmúdica defende : "se matarmos uma só criatura sobre a terra, mataremos todas".
Esse é o limite da auto aceitação.
Como diz o ditado : "Charité bien ordonnée commence par soi-même".
É o caminho da paz.
Abraço.
Ives