11 junho 2011

Assim Falou Hitler






E aqueles que o seguiram eram todos "militantes" por um novo mundo possível


O perigo nasce antes de ser percebido. Quando o percebemos, ele já tem meio caminho andado.
O nazismo foi uma variante dos movimentos totalitários que pontificaram no século XX e ainda nos dias de hoje assombram os povos. O perigo é, na nascente, idéias puras à procura de homens tolos. C'est une idée à la recherche des victimes! A corrupção dos valores que fundam a civilização é "a mãe de todas as corrupções".
As idéias podem ser redentoras, e podem também ser trágicas, palavras salvam e palavras matam. A base filosófica do nazismo assentou-se num filósofo muito venerado nos nossos dias de perdição de valores - aquele filósofo de vasto bigode, que se expressava com lirismo e uma força literária incomuns, sendo considerado por muitos um dos maiores, se não, talvez, o maior, escritor de língua alemã: Friedrich Nietzsche, ecce homo.
A meta nazista era alcançar o homem superior, que Nietzsche, escondido detrás de seu alter-ego Zaratustra, ia pregando capítulo por capítulo, livro por livro. "O homem é algo que deve ser superado", ensinava o profeta que Nietzsche colocou a pregar em praça pública. Iconoclasta e niilista, Nietzsche apelava para a destruição de todos os valores porque "tudo isso é miséria, sujeira e mesquinha satisfação". O cristianismo era para Nietzsche coisa abjeta, uma "moral de escravos" e ressentidos. Ter compaixão era um defeito de caráter. Ser bom não é amar e servir ao próximo, e sim aspirar ao poder.
A guerra é boa, ensinava Nietzsche, porque desperta no indivíduo aquilo que de mais elevado possa ter em seu espírito. Um operário, na rotina tediosa de empacotar mercadorias em série na fabriqueta, sente-se aniquilado como homem; se Napoleão, contudo, põe nele o uniforme garboso e o chama para a guerra, eis que o pobre homem ressurgirá das cinzas, e a vida passará a ter um sentido, porque viver é lutar, guerrear e combater por mais força, mais poder. O pobre operário agradece a Napoleão, por lhe tirar de uma vida modorrenta e colocá-lo no palco da tragédia européia. Nietzsche amava Napoleão; os nazistas, que amaram Nietzsche, sabiam odiar intensamente, como lhes foi ensinado.
O fã-clube de Nietzsche ama Nietzsche e procura descolar seu ídolo do nazismo, mas é tarefa perdida desde o começo. Porque os nazistas fizeram do autor de "Para Além do Bem e do Mal" o seu profeta maior - e o seguiram nas prescrições todas. É possível que Nietzsche, cuja sensibilidade, fragilidade de saúde e horror ao culto à personalidade ("Tenho um medo terrível que um dia me tornem um santo", profetizou sobre si mesmo) tivesse dado meia-volta, se vivesse para testemunhar Hitler e seus esquadrões da morte em ação, agindo sem nenhuma compaixão na luta por poder, para instaurar mil anos do Terceiro Reich sobre a Terra. Talvez até renegasse sua obra, mas essas especulações não nos autorizam a negar que o monstro se pôs em marcha sob a batuta de Nietzsche, o maestro do nazismo. Idéias que matam.
É assustadora a capacidade de cooptação dos movimentos totalitários. Arregimentam e convencem sem a Razão. Eles se fundam na própria "destruição da razão", porque desprezam e negam o conhecimento objetivo - isto é, a Verdade, e proclamam mesmo ser inútil buscá-la. É o irracionalismo filosófico. A verdade, dizem, é uma mera construção, e constrói-se segundo o ponto de observação de cada um - como adoram repetir os relativistas dos nossos dias. Mas se assim é, tudo será possível. Vemo-nos desorientados, ao descrer na Verdade. Eliminada a crença na Verdade objetiva, sem o referencial, vem o apelo à ação cega, à edificação de obras que nos convêm contra a conveniência dos "outros". Isso descamba nos conflitos entre classes, etnias e grupos: entram em cena a guerra e as matanças revolucionárias, a "violência redentora" em prol da ação "por um mundo melhor", cujo horizonte são os totalitarismos e seus césares macabros.

4 comentários:

Norma disse...

Perfeito, Moacir. E não me esqueço do comentário de Benito Mussolini a favor dessa (anti)doutrina da inexistência da verdade: "Se o relativismo significa o desprezo às categorias fixas e às pessoas que se proclamam portadoras de uma verdade objetiva, imortal, não há nada mais relativista que nossas atitudes e nossas atividades. Do fato de que as ideologias são de igual valor, de que as ideologias não passam de ficção, o relativista moderno infere que cada um tem o direito de criar para si uma ideologia própria, e de buscar afirmá-la com toda a energia de que seja capaz." Assim é que o relativismo e o império dos consensos estão na origem de todo totalitarismo.

Moacir Leão disse...

Norma, obrigado por recordar a citação de Mussolini. Ela se encaixa no meu texto de tal forma que até parece estar fazendo falta nele.Brilhante comentário.

Glauco Eggers disse...

Você precisa reler Nietzsche, sem preconceito por ele ser ateu, iconoclasta sim, que bom, niilista jamais, na verdade um adversário ferrenho do niilismo.
E sem anacronismo, Hitler também utilizava a bíblia, gaveria nazismo na bíblia também?
Parabéns pelo blog.

Moacir Leão disse...

Glauco.
Obrigado pelo interesse em meu blog. Ja li e reli Nietzsche. Lamento nao poder concordar com voce. Nietzsche eh consenso, entre os estudiosos de sua obra, como um niilista radical. Pregava a destruiçao de todos os valores. Definir esse importante filosofo como opositor do niilismo eh laborar num erro. . Pesquise niilismo na Wikipedia. Destaco um pequeno trecho da enciclopedia sobre Nietzsche, a seguir.
Um abraço.

Wikipedia
Niilismo activo - ou niilismo-completo, é onde Nietzsche se coloca, considerando-se o primeiro niilista de facto, intitulando-se o niilista-clássico, prevendo o desenvolvimento e discussão de seu legado. Este segundo sentido segue o mesmo rumo, mas propõe uma atitude mais activa: renegando os valores metafísicos, redirecciona a sua força vital para a destruição da moral. No entanto, após essa destruição, tudo cai no vazio: a vida é desprovida de qualquer sentido, reina o absurdo e o niilista não pode ver outra alternativa senão esperar pela morte (ou provocá-la). No entanto, esse final não é, para Nietzsche, o fim último do niilismo: no momento em que o homem nega os valores de Deus, deve aprender a ver-se como criador de valores e no momento em que entende que não há nada de eterno após a vida, deve aprender a ver a vida como um eterno retorno, sem o qual o niilismo seria sempre um ciclo incompleto.