12 agosto 2011

Um Amor Amazonico Que Virou Inquerito - final


Caro leitor, nao avance alem deste paragrafo, se voce nao leu como tudo começou , salvo se tiver pendor por historias malcontadas, pela metade. Feito o alerta, passemos direto ao ponto em que o Auditor Mozart Lecharmant responde ao inquerito, instaurado para apurar o fechamento da repartiçao fora do horario. Fechamento da repartiçao  fora do horario! - como se isso fosse tudo. Um puritano deve ter feito a portaria, que ja deixava a comissao de maos amarradas. Ora, eh sabido que ha enorme diferença entre fechar a repartiçao e ir espairecer, e fecha-la para para fazer as vezes de motel.  Tendo sido corrigida, a portaria ficou assim: para apurar o fechamento da agencia no horario de trabalho, com a suposta finalidade de manter no recinto relaçoes sexuais com uma contribuinte(!). Pela madrugada! Ha na Receita sujeitos que nao perdem o vezo de chamar tudo de contribuinte! Nem a bela paraense lhes escapa! 

O presidente da comissao de inquerito perguntou a Mozart:

- O senhor admite ter dispensado os funcionarios durante o expediente, visando a ter encontro intimo com a namorada...

- Admito.

- O senhor gostaria de acrescentar algo mais...

- Nao.

 - O doutor teria algo pra acrescentar - indagou o presidente do trio disciplinar ao advogado de Mozart.

- Sim, meu preclaro presidente: apenas gostaria de deixar consignada a lisura de meu cliente, que nao cometeu nenhum ato desonesto. Os fatos estao ai e nao podem ser negados. Mas meu cliente, se falha teve, foi ter cedido aos apelos de um coraçao abrasado pela paixao, que nestas horas eh mau conselheiro. Suplico a douta comissao que nao arraste essa investigaçao, pois eh preferivel um fim horroroso a um horror sem fim.

O advogado tinha razao, pois nao havia o que investigar. Eram dezenas de testemunhas. E o proprio acusado ja admitira o fato. Para a comissao, restava apenas indicia-lo em peça escrita e aguardar a defesa, tambem por escrito. Apos isso, dar a sua opiniao num relatorio e encaminhar tudo para o julgador.

Neste ponto começaria todo o imbroglio juridico. A comissao chegou com a certeza de que a infraçao de Mozart era grave, gravissima. Mas onde estaria na lei o enquadramento para quem faz a Receita Federal de motel, em plena hora de atender ao publico! Nao ha crime sem lei anterior que o defina. Este comando da Constituiçao impoe-se a tudo. Ainda que seja uma simples advertencia ao funcionario, a suposta infraçao leve tera de ser prevista num dos incisos do artigo 116 do Estatuto. Se eh assim para aplicar uma mera advertencia, quanto mais para aplicar a pena extrema, que eh por o funcionario na rua da amargura.   

A  comissao descartou o artigo 116 e todos os seus incisos, por nao enquadrarem as condutas graves. A infringencia a quaisquer um dos incisos do artigo 116 implica uma simples advertencia, quando muito uma suspensao, se houver reincidencia. A suspensao ainda pode ser aplicada diretamente, se a infringencia for enquadrada em mais de um inciso desse artigo. Contudo, nenhum ato de demissao pode fundamentar-se no artigo 116, e a comissao estava convencida de que o caso era mesmo de expulsar Mozart da Receita.

O trio disciplinar somente achou um inciso no artigo 117, cuja incidencia implica a pena de demissao. Eh o de numero IX, que proibe ao funcionario:

valer-se cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da funçao publica.

Porem, o achado nao resistiria a um debate interno na propria comissao. Um de seus membros questionou:

- Mas que proveito pessoal teve o Mozart...

- A esposa do padeiro - respondeu o presidente. 

- A lei nao se refere a pessoas como proveito pessoal. Tem que ser dinheiro, qualquer objeto de valor - mas nao gente. 
 


E o segundo vogal, calado ate entao, pos uma pa de cal no enquadramento:

- E quem disse que ele se valeu do cargo pra conquista...Eu tambem sou Auditor, so que feio. Aposto que ela nao me daria bola. Nao foi pelo cargo, foi pelo charme.

- Ta bem - disse o presidente - o homem vai escapar. Com voces nesta comissao, ele nem precisaria de advogado!

 - Perai colegas. Achei a corda pra ele se enforcar. Ta no inciso V do 132. Eh perfeito. Enquadra totalmente - disse o primeiro vogal. 

Ora, o artigo 132, no inciso V, preve a demisao do funcionario, se ele cometer:


Incontinencia publica e conduta escandalosa na repartiçao. 


Era, sem tirar nem por, o caso de Mozart. A comissao pos-se maos-a-obra e indiciou o desafortunado. 

No dia seguinte, deram ciencia da indiciaçao ao advogado e seu cliente. Palido de espanto, Mozart percebeu que seria demitido. O advogado leu em seguida, sem piscar. Depois, disse a comissao:

Os senhores estao de brincadeira, so pode! Acusar o meu cliente de incontinencia! Nao, nao, senhores. O que ele fez foi justamente o contrario. Conteve-se a nao mais poder. Fechou a repartiçao, de modo a nao provocar escandalo, quando recebesse a namorada. Foi previdente e discreto.  Quem provocou o escandalo, isso sim, foi o marido traido e seu causidico, que vieram pela rua principal, ajuntando gente desocupada e curiosos de todos os naipes. E quando aqui chegaram, deram o maior espetaculo, pedalando a porta, feito um bando de assaltantes. E enfiaram todo o povareu dentro da Receita, colocando a vida do casal em risco. Pois todos sabem que a patuleia raciocina com o figado!  Eh mandatorio que a douta comissao retire esta acusaçao absurda. Meu cliente, se incidiu numa infraçao, foi apenas ter fechado a agencia na hora do expediente, foi deixar de observar as normas legais e regulamentares, coisa que o sujeita a uma mera advertencia.  E tudo o mais eh coisa de esposo chifrado, dado a espetaculo!

 A defesa oral tinha dado o xeque-mate juridico. A comissao deu-se por convencida e retirou a acusaçao grave. Mozart levou uma advertencia e foi removido para o interior de Sao Paulo, onde hoje eh delegado da Receita Federal. 


O mais comovente fato, porem, foi o perdao do padeiro a esposa, a reconciliaçao, em vez do sangue derramado, exemplo para todos os que pertencem ao sexo forte.  Segundo informado, a beleza do Para continua ajudando o marido, tendo ocorrido apenas uma modificaçao estrategica: houve por bem o esposo retira-la do caixa e coloca-la ao lado dele, a assar paes.   

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