08 agosto 2011

Assombrosa Eh A Existencia Humana

Entao o equilibrista pos-se a andar sobre a corda, que se estendia entre as torres. De subito, quando ja avançava pela metade do caminho, abriu-se a porta da torre de onde partira. E um tipo todo sarapintado, a moda de palhaço, surgiu pulando numa perna so, e gritando em voz terrivel:

- Para fora, palhaço, para fora trapalhao.  Antes que eu te comiche com o meu calcanhar. Como ousas impedir a passagem de alguem melhor do que tu...


Atonito, o funambulo via aproximar-se o adversario. Eis que, quando ja estava bem proximo, o tipo sarapintado saltou sobre ele e tomou-lhe a dianteira.  Vendo assim o adversario triunfar, o equililbrista deitou fora a maromba, e, num redemoinho de braços e pernas, lançou-se no abismo. Na praça, a multidao alvoroçou-se em disparada do local onde o corpo iria espatifar-se, menos Zaratustra, que se quedou imovel, vendo o corpo cair a seu lado.

- Que fazes tu ai...ha muito sabia que o diabo me pregaria uma peça. Acaso queres tu impedi-lo de levar-me para o inferno...

Meu amigo, antes que tu partas, eu te asseguro: nao ha demonios, e Deus esta morto.

- Se nao ha Deus - disse o moribundo a Zaratustra - entao eu nao sou mais do que um macaco, que ensinaram a dançar a custa de pouca raçao e muita pancada!

- Nao, nao, meu amigo. Fizeste do perigo o teu oficio, e nada ha nisso de desprezivel. Agora, vitima do nobre oficio, vou enterrar-te com minhas proprias maos. 

Apos isso, Zaratustra pos-se a refletir: Assombrosa eh a existencia humana e ainda sem qualquer sentido. Pode um palhaço tornar-se-lhe fatal.



E assim terminava o o pequeno trecho de inicio da obra Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche. O livro mais profundo da humanidade, no dizer do proprio autor. Por transcreve-lo de memoria, o trecho contem diferenças da excelente traduçao brasileira. Dito de outro modo, eu empanei o brilho da obra.


Por algum estranho motivo, o livro imita a prosa dos versiculos biblicos. Nietzsche era filologo e filosofo, por muitos considerado o maior escritor da lingua alema.

Pregava a destruiçao de todos os valores. O personagem Zaratustra atacava os compassivos, chamando-os de degenerados. Nao sou pobre o bastante para dar esmolas, disse. Zaratustra, o alterego de Nietzsche discursava assim:


O homem eh algo a ser superado. Eh uma corda estendida sobre o abismo. Eh o perigo de transpo-lo, o perigo de estar a caminho, de olhar para tras, tremer e parar. Grande no homem eh que ele eh uma ponte e nao um fim. O que pode ser amado no homem eh que ele eh um passar e um sucumbir.

Nao eh dificil compreender como os nazistas reverenciavam Nietzche e, sobre a obra dele, soergueram o imperio feito para durar mil anos. Como Zaratustra, os nazis nao eram nada compassivos.

Mas o filosofo de vasto bigode nao foi um cruel. Levava uma vida muito modesta, e abjurava magoar as pessoas.


Contam que, numa de suas caminhadas para espantar a cefaleia cronica, que lhe turvava a visao a ponto de tira-lo do ar, Nietzsche cruzou o caminho de duas velhinhas que iam a missa:

- Professor, agora sabemos. O senhor escreveu: Vais ter com as mulheres... nao esqueças o chicote!

- Mas nao. Nao eh assim que devem entender-me  - disse, tomando-as pelas maos.


Era outro pessoalmente. Detestava escandalizar as pessoas:

- O senhor vai a missa - perguntaram-lhe as velhinhas. 

- Hoje, nao. 


Em que pese ao seu ateismo militante, tinha profunda admiraçao por Jesus Cristo, a quem chamava de o grande simbolista. Talvez dai o motivo de imitar a prosa biblica.


Contam seus amigos que o ver nos braços da mae, ao final da vida, ja acometido pela loucura, era a propria imagem enternecedora da Pieta. Ave Maria!  

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