28 junho 2006

Quem disse que proposta não é ofensa?

Cartilha do Fórum das Carreiras Tipicas de Estado, editada pelo autor deste blog, em novembro de 1995

O governo sentiu o tranco dado pela greve dos auditores-fiscais. Depois da provocação que incendiou as indignações até dos mais recalcitrantes, deverá nos próximos dias ser apresentada uma nova proposta. Já há correria para cima e para baixo desde ontem, como esperado; os prenúncios de uma arrecadação que vai perdendo o fôlego exigem uma ação imediata do governo para restabelecer o controle da administração na Receita Federal.
Contudo, dizer que a nova oferta será melhor do que a anterior não significa muito, já que mesmo o ruim pode exceder o péssimo. Melhor do que um escalonamento de 3 a 9% poderia ser, digamos, um escalonamento de 5 a 12%. Nem se atrevam. Este é o "modo soviético de negociar", segundo Herb Cohen, comentado em post anterior ("A Receita Não Pode Aceitar Qualquer Coisa"). Se a provocação se repetir, a resposta possível só poderá ser acirrar ainda mais o movimento.
É preciso ficar bem atento para a exigência fundamental constante nos "cadernos" que embasam a reivindicação: estabelecer um novo patamar de remuneração para os AFRF. Não se pode deixar por menos.Não se constrói um movimento com essa força e coesão para se obter uma vitória de Pirro, pois o preço a pagar em descrédito e desmobilização futuros seria tal que melhor nem tivesse existido a greve.
Mas a greve está aí, e vai apertando o torniquete no pescoço do governo.
A exigência básica e preliminar das lideranças sindicais deve ser a presença de um interlocutor confiável. Negociadores que se entretêm com meros prepostos sem poder de decisão ou contrapartes de palavras infirmes já sem perceber cavam o buraco onde cairão.
Por isso, somente o ministro da Fazenda ou quem expressamente o represente, com poder de transigir, pode estabelecer a condição de respeito que o movimento exige. Do contrário, é mau presságio. Se não respeitam na hora de nomear o interlocutor, por que respeitarão na hora de propor? Não podem as árvores más dar frutos bons. Palavra é contrato ou é velhacaria.
Para que não fique tudo no ar, o novo patamar de remuneração pleiteado deve se referenciar em carreiras no serviço público federal (seria improfícuo citá-las aqui) que historicamente percebiam valores assemelhados aos auditores-fiscais e hoje lhes tomaram a dianteira. Nenhuma delas realiza trabalho mais essencial do que o dos auditores da Receita Federal. Por que estão à frente nos salários?
Os percentuais de uma nova oferta precisarão ser bem mais generosos que os míseros 3% ou 9% escalonados (de quem foi a sádica idéia?, deveria ser demitido por incitar greve de dentro do governo), obecedendo uma variação inversamente proporcional às classes e padrões dos AFRF, de forma a reduzir as discrepâncias salariais de agora. Em especial, deveriam dar-se sob a forma de acréscimo ao vencimento básico, ou substituir a gratificação atual, que poderia ser incorporada àquele. Deve-se insistir bastante nisso: fazer crescer o vencimento básico, pois esse último, se mantido desproporcional às gratificações cada vez maiores, dará causa a novos cortes nos proventos dos aposentados, que sempre são excluídos parcialmente dessas vantagens; dito de outro modo, acentuará a iniqüidade.
Os direitos dos aposentados devem ser defendidos de forma intransigente; não se pode fazer nenhuma concessão nisso, por ser questão de justiça: contribuiram e devem receber a retribuição contratada. Fora disso, é covardia e ignomínia.
É espantoso, aliás, como a patifaria nacional se reúne com ligeireza para atacar a previdência: corruptos por dentro, vampiros de fora e ideólogos oportunistas contra "direitos adquiridos arcaicos" formam a confraria da destruição. As vítimas são os servidores, aposentados ou em vias de sê-lo e a população. Os ataques apenas se aprofundaram sob o atual governo, não iniciaram nele. Vêm lá de trás. Em 1995, o autor deste blog era então o coordenador-geral do Fórum das Carreiras Típicas de Estado (recém-fundado) e redigiu a defesa dos direitos dos servidores e aposentados na cartilha cujo extrato encima este comentário, de uma atualidade espantosa (não para meu júblilo, pelo contrário). Como se parecem os senhores Tarso e Bresser!
O mal tem longa vida, mas um dia também se vai.

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