20 setembro 2011

Vivendo Perigosamente Na Megalomania!

Mundinho vivia no seu mundo - o mundo da Economia. Funcionario dedicado da Receita Federal, ele batia ponto na primeira hora e encerrava o expediente na undecima. Entretanto, quando se punha a discorrer sobre cambio e taxas de juros, era uma revoada de colegas em fuga. Nao que ele arguisse com desproposito os temas da misteriosa ciencia. Pelo contrario, fazia-o com fundamento e logica - segundo atestavam os iniciados. O problema, diziam os que evacuavam o local da palestra, eh que era sempre uma palestra. Ele nao sabia bater papo, nem numa roda de cafezinho. Para piorar, o tom da voz era soporifero. O cafezinho nao lograva espantar o sono dos dois ou tres que ficavam por ultimo a ouvi-lo, constrangidos em acompanhar a revoada. Falava como se estivesse em transe. Alguns gozadores asseveravam que, em ele falando, jamais notaria quando o ultimo colega desse no pe!


Um dia veio em que Mundinho nao apareceu na repartiçao, para estranhamento geral. Por anos a fio, ele nao havia faltado uma so vez. E veio o dia seguinte, e nada do economista. No terceiro dia, mais ninguem ja podia conter-se. Cade o Mundinho...Dado que o telefone nao era atendido, rapidamente os colegas elegeram uma dupla para ir atras do homem, que morava no fim da Asa Norte. A campainha estragada nao impediu a dupla de espiar, estando a porta entreaberta.


- Oh de casa! - disseram batendo palmas - ja entrando na sala. 


- Quem sao voces...- perguntou a empregada. 


- Colegas de trabalho. Mundim esta...


- Ta sim. Mas faz tres dias, ele nao sai do quarto nem pra comer. So naquele computador, pediu pra ninguem entrar.


- E a familia...


- A esposa viajou com as crianças. Nao me disse pra onde. 


- Ok, moça! entao ele ta bem...


- Ta sim, doutor, eu levo comida todo dia. Mas a barba ta crescendo, e eu nao escuto o ronco do chuveiro!


De volta a repartiçao, anunciaram um palpite certeiro.


- Mundinho esta trancado no quarto, fazendo uma tese de economia.


E la estava nosso economista, as voltas com um intrincado problema: como abaixar os juros sem elevar o dolar. Seria o ministro da Fazenda o destinatario da tese. Com uma semana de trabalho e noites insones, Mundinho protocolizou no Ministerio da  Fazenda a tese, que tinha por subtitulo uma exortaçao: Um Plano de Salvaçao Nacional!

No mesmo dia, telefonou ao chefe e disse que estaria impedido de retornar ao trabalho antes que o ministro o convocasse, posto que haveria de estar em concentraçao total para responder as duvidas do chefe-maior. 

- Mundinho pirou! - disse consternado o chefe aos funcionarios. - Isso ainda vai dar em demissao por abandono de cargo.  

Com vinte e oito dias de faltas consecutivas, foi uma pequena comitiva desesperada, tentando demover o economista a nao esperar pelo chamado do ministro e voltar ao trabalho. Aumentou o desespero dos colegas, quando o viram atender a um oficial de justiça: a esposa entrara com um pedido de pensao alimenticia para ela e as crianças.

- Um colega, exasperado com a teimosia, sacudiu-o com força:

- Acorda, homem! Voce ta destruindo a sua vida e a da familia por uma tara! Volta pra Receita hoje. Vai todo mundo te ouvir! Eu garanto! 

- Calma pessoal. Eu sei o que to fazendo. Voces tao vendo o micro, e eu o macro.

Com mais de 30 dias de faltas consecutivas, Mundinho foi demitido. Defendeu-se muito mal no processo. Quase um ano depois, convencido pelos colegas - melhor dito: verdadeiros amigos - de que aquele ministro nao valia nada, e somente por isso nao o havia chamado, Mundinho decidiu contratar um bom advogado, obtendo finalmente a reintegraçao. 

O defensor nao teve a menor dificuldade para alegar em juizo delirio persecutorio e megalomania, em suma, um surto de piraçao, tudo devidamente corroborado em laudos psiquiatricos.

O mais perfido efeito da megalomania, creio eu, eh nos empurrar ladeira abaixo, enquanto nos ilude de que estamos subindo. Em Mundinho, foi um surto tratado e vencido. Em outros casos, contudo, pode arrastar-se por demasiado tempo, fazendo o sujeito convencer-se, a si e aos outros, de que eh um Napoleao sem Waterloo. Ai de ti, que te adoras sobre todas as coisas!

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