O Anapio era um fiscal aduaneiro de faca na bota. Faca na bota eh so o modo de dizer, porque na bota o que o Anapio levava mesmo era um tres-oitao com o tambor entupido de balas!
- No dia em que riscarem o porte de arma da carteira de fiscal, eu largo essa Aduana e vou trabalhar com os veadinhos da cosit, a risco zero!
Anapio tinha uma implicancia com a cosit - a respeitavel coordenaçao de tributaçao da Receita -, que ninguem nunca soube por que. Aos curiosos que lhe enchiam os tubos perguntando, ele respondia de bate-pronto:
- Tu ta querendo a minha caveira ou tu eh besta mesmo! Pois se eu te conto, fico na obrigaçao de denunciar dois la. E como nao tenho prova nenhuma, vou ficar mais enrolado que cozinheiro de hospicio. Sai, azar!
Anapio era trabalhador e destemido. Quando enfezava, nao tinha limite. Uma vez, chegou na corregedoria um comunicado da embaixada do Brasil no Paraguai, informando que o bravo colega e a equipe dele haviam invadido aquele pais, em perseguiçao aos contrabandistas, e apreendido vinte motores de popa. Nao era uma denuncia contra a equipe, e sim uma recomendaçao para que a atuaçao da aduana ficasse restrita ao solo brasileiro.
Quando a corregedoria notificou-o da recomendaçao do embaixador, Anapio resmungou:
- Bah, que baita frescura dos punhos de seda! Os bandidos ganharam o mato, e mato nao tem risco separando o Brasil do Paraguai.
Deu ciente na recomendaçao, escrevendo de proprio punho uma outra recomendaçao ao embaixador:
Diga pro Paraguai tambem nao invadir o Brasil com bandidos! Mas se invadir, vamos ate o inferno atras dessa corja.
Quando os colegas faziam piadas sobre o rompimento das relaçoes diplomaticas Brasil-Paraguai, devido a invasao, Anapio ficava mais serio do que cachorro em balsa:
- Voces parecem um bando de caturritas, so ficam ai grasnando! Mas pegar a unha contrabandista que eh bom, eu quero ver! Isso nao eh coisa pra cocota!
Certa feita, enquanto vistoriava uma carga na caçamba de uma D-20, com seu faro de perdigueiro, o motorista arrancou num repente, cantando pneus, e corcoveava a camionete como um touro de rodeio, para perder o pobre Anapio. Quando pegou o asfalto, esbugalhou os olhos, ao ver que o nosso colega continuava firme na caçamba. O Anapio deu uma coronhada no vidro e tomou assento ao lado do contrabandista:
- Mas tche, tu corcoveia pior que touro bichado. Achou que ia me derrubar com essas piruetas de fresco...
- Doutor, pelamor de Deus, pensei que o senhor ja tinha descido!
- Pensou eh! Pois pensando morreu um burro! Nao me atocha! Eu nao sei onde eh que nao to, que nao te cago a pau, seu vigario de bosta!
Vendo que o homem estava num tremelique so, o Anapio resolveu dar-lhe mais um susto:
- Vivente, tu ta mais branco do que dentadura nova! Pra mim, tu ta anemico. Vai ter que lamber ferro, que eh um santo remedio!
Enfiou o 38 na boca do contrabandista, ficando so o cabo do lado de fora. Apesar do susto de morte, Anapio nao tinha mau coraçao e tirou os ferro num ou dois minutos.
- Agora tu ta mais corado! Toca pra policia, que hoje tu nao dorme em casa!
Anapio aposentou-se e mudou-se de mala e cuia para os pampas, onde -segundo ele - o que nao presta eh so o Gremio. Deixou uma baita saudade!
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