07 junho 2011

O Dia em Que Camus Enfrentou a Besta



Há crimes de paixão e crimes de lógica. O código penal distingue um do outro, bastante comodamente, pela premeditação. Estamos na época da premeditação e do crime perfeito. Nossos criminosos não são mais aquelas crianças desarmadas que invocavam a desculpa do amor. São, ao contrário, adultos, e seu álibi é irrefutável, a filosofia pode servir para tudo, até mesmo para transformar assassinos em juízes.
Com o parágrafo anterior, Albert Camus abria uma de suas obras capitais em defesa da liberdade individual: "O Homem Revoltado", de 1951.
Jean-Paul Sartre partiu para o ataque contra Camus. Mais que ataque, um verdadeiro linchamento. Não aceitavam os comunistas, como Sartre, que se pusesse a liberdade individual como valor fundamental. Não poderia ser isso, a liberdade teria de ser menos, e estar submetida ao interesse coletivo. "Não", dizia Camus. O comunismo não coexiste com a liberdade; instaurado, suprime-a. Se, contudo, a liberdade resiste e se alastra dentro da escravidão comunista, ela a destrói. Liberdade  e comunismo são antagônicos. São bem conhecidos os totalitarismos comunistas que ruíram e os que persistem até os nossos dias, todos eles tendo na supressão da liberdade a condição de existirem.
O existencialismo de Sartre transformou-se num panfleto em favor de Stálin e do comunismo soviético; em Sartre, o fanático matou o talentoso escritor e novelista. Não era um filósofo, embora tivesse pendores para a filosofia. As inquitações de Sartre de "O Ser e o Nada", um pesado compendio, por vezes inintilegível, acabavam esboroando-se no nada e alcançando conforto na causa militante. Foi agindo como militante comunista que Sartre pregava a mentira: afirmava que os crimes de Stálin, os gulags e os genocídios não deveriam ser revelados para não matar as esperanças da classe trabalhadora no socialismo. Para Sartre, "o inferno são os outros", e para Stalin, também, especialmente quando imaginava que os outros se lhe atravessavam o caminho - aí os mandava para o inferno, como fez com os aliados Kamenev, Zinoviev, Bukarin, Trotski, e milhões de inocentes, para o bem do comunismo.
Camus era um filósofo em quem se reuniram o talento literário, que desaguava numa escritura límpida e comovente de grande novelista, a uma intuição profunda sobre os desígnios da existência humana. A visão profunda do franco-argelino viu no comunismo um totem do crime. É o Estado que mata, e os crimes são praticados com anteparo na filisofia (assim entendida a visão marxista de mundo). Ainda Camus citava que
"Heathcliff, em O morro dos ventos uivantes, seria capaz de matar a terra inteira para possuir Kathie, mas não teria idéia de dizer que esse assassinato é racional ou justificado por um sistema. Ele o cometeria, aí termina toda sua crença. Isso implica a força do amor e do caráter. Sendo rara a força do amor, o crime continua excepcional, conservando desse modo o seu aspecto de transgressão. Mas a partir do momento em que, na falta do caráter, o homem corre para refugiar-se em uma doutrina, a partir do instante em que o crime é racionalizado, ele prolifera como a própria razão. Ele, que era solitário como o grito, ei-lo universal como a ciência. Ontem julgado, hoje faz a lei".
O comunismo, inimigo dos valores humanos fundamentais e hostil à moral universal do cristianismo não encontra pararelo, no longo rastro de destruição e mortes, nem mesmo no nazismo. Ambos são irmãos na pregação do ódio e da violência; o comunismo é ódio de classes, o nazismo, o ódio racial, dito de modo simplificado, porque um e outro vão além disso. Comunismo e nazismo são ideologias do mal. O que faz do comunismo, no entanto, o monstro mais perigoso é sua face cambiante, a capacidade de mostrar-se oposto ao que pratica para, soerguido como fênix, reinstalar-se com as mesmas práticas totalitárias de eliminação das liberdades individuais, prisões, fuzilamentos e campos de trabalho escravo. O nazismo não se regenera; está proscrito. O comunismo se regenera sob a forma de antípoda, para volver ao que é.
A compreensão dos totalitarismos genocidas como nazismo e comunismo está longe de ter lugar no Brasil e na América Latina. Pelo contrário, nesse continente, pululam nas universidades intelectuais-formiga que propagam o bacilo da peste comunista (para usar em parte uma expressão de Camus) e invadem todo o meio acadêmico-cultural realizando aquilo que pensam ser a "missão transformadora da educação". O ensino de história nas escolas e nas universidades virou propaganda ideológica. E não só nessa disciplina. As vítimas do ensino deformado sofrem uma ilusão demoníaca - sentem-se esclarecidas e "conscientizadas" do que jamais haviam podido aprender antes, quando, na verdade, saem da luz e tomam o rumo da caverna, às manadas, aptas a defender uma "nova ordem" contra "tudo o que aí está". O mal é sedutor, e as tenta por bem mais do que 40 dias e noites.
A universidade brasileira está infestada de educadores que se resumem a meros agentes ideológicos, em favor do novo ídolo - porque o comunismo é isso - um ídolo, no sentido bíblico da palavra: a supresão de Deus por outra e qualquer coisa.
Camus, lembrando o famoso personagem de "O morro dos ventos uivantes" fala de algo essencial à constituição da pessoa: o caráter. Somente quando o caráter se esvai, se perde, é que o homem corre para refugiar-se numa doutrina. Ora, para os comunistas roubar nada tem de censurável. Deixar de roubar é que pode ser errado, pois se o roubo serve à causa, ele deve ser praticado, sob pena de o militante ser ainda um babaca, refém da "moral deles", da "moral burguesa". Para praticar seu primeiro roubo, o militante terá de matar o seu próprio caráter, que, até o dia em que lhe aprisionaram os neurônios, esteve formado nos valores superiores da civilização, transmitidos de berço e de gerações: "Não furtarás", em respeito ao próximo e à paz social, é um dos mais importante valores que cai.
Por isso se vêem os comunistas que assaltam (e visto por nós como ladrões) prestarem depoimentos por longas horas em CPIs e manterem a fibra. Onde um ladrão comum viria abaixo, entre lágrimas, confissões e desespero, eles mantêm a fibra, refugiam-se na doutrina, de que falava Camus. Perderam o caráter, mas tem a doutrina. O ex-ministro José Dirceu parece ter a frieza de uma laje. Suportou grande pressão, da decadência política à cassação de seu mandato, sem verter uma lágrima. Mas houve dia que em que ele chorou. Foi quando se viu diante do ídolo, em Cuba. O encontro com Fidel Castro comoveu-lhe até as lágrimas. Não na pátria, nem na moral de nossa gente, mas no ídolo do caribe é que estava o catalisador de lágrimas de Dirceu. Ali, ele chorou, pois no semblante do ogro ditador resplandecia toda a sua fé idolátrica. Pobre diabo!
Assim é. De nada mais vale o Decálogo mosaico, nem os códigos jurídicos. Eles tem uma nova fé, perderam-se de Deus, tem a doutrina, com seus cultos de césar: Stálin, Guevara, Castro, Mao, Trotsky et alii. O roubo se dá para abastecer o partido e acumular forças. Vencido o caráter, com milhões de fanáticos urrando em sagração ao novo ídolo, está pavimentado o caminho para a tomada de poder e para a inauguração do reinado do terror do Grande Irmão. "Tudo será permitido". Muitos dentre eles, agora no poder, darão um passo adiante. Matar também será permitido, pelo ídolo coletivo. Outros, ainda, não terão a mesma sorte, serão eliminados como dissidentes. O comunismo devora os seus próprios filhos. Quando o monstro se revela, já é demasiado tarde.
A liberdade e a consciência individual, como tudo o que diz respeito ao indivíduo, a vida inclusive, nada mais valem, só o coletivo importa, e sobre ele o novo césar. Os altares para a manada prestar homenagens estarão erguidos - ai dos que não rezarem. Ai dos que errarem a cartilha, dos que tem sede de justiça e não aprenderam a balir.
Nisso é que está o inestimável valor da obra de Albert Camus. Ele enfrentou o comunismo no auge da adoração mitológica, com passos firmes, em plena contramarcha. Foi quase linchado por Sartre e pelos intelectuais pró-Stálin, fanatizados na França dos anos 50, e não só nesse país. Sobreviveu-lhes. Ganhou o Nobel de literatura. Elevou a alto grau as reflexões sobre o sentido de viver e da liberdade. Ler Camus é aprender a ser mais inteligente. Sartre se foi, ficaram-lhe algumas peças de teatro por aí. Camus permanece como o grande pensador e gênio literário que, em primeira mão - quando era extremamente difícil fazê-lo - denunciou o monstro totalitário e seus crimes contra a humanidade, combatendo-o exatamente no campo em que nós, brasileiros, devemos combater nos nossos dias: no campo das idéias e da cultura, onde os propagandistas da ideologia do mal se fazem passar por sábios, críticos e "defensores de um novo mundo possível". Quem defende a liberdade e o respeito à vida, à democracia haverá de se lhes opor, em cada lugar onde esteja, dizendo: "Vocês mentem, esse novo mundo possível é o comunismo genocida de sempre - a ante-sala do inferno".



3 comentários:

NIcinha na Holanda disse...

Moacir,
Parabéns pelo destaque na GB.
Comecei a ler o seu texto, me parece muito interessante, mas muito longo. Nesse momento estou sem tempo, tentarei voltar depois para ler.
Tenha uma boa semana.
Eunice

Moacir Leão disse...

Miguel Nagib (de Brasília) disse:

Obrigado pela resposta, Moacir. Seu último post (“O Dia em Que Camus Enfrentou a Besta”) está magnífico.



Forte abraço



Miguel

Helio disse...

Ola Moacir, parabens pelo seu destaque no GB, gostei muito de ler seu blog muito interesante e bem elaborado, bem merecido seu premio....boa semana pra ti...

Saudações do Helio (Águia)